quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

EUSÉBIO

Depois de falar de Cristiano Ronaldo seria imperdoável não escrever sobre o “nosso” Eusébio, meu conterrâneo. Já todo o panegírico foi gasto pelo que me limitarei a fazer a defesa do seu direito a herói nacional, e o lugar dos heróis é no panteão. A palavra panteão significa o conjunto (pan) dos deuses (théos). Nascido e criado numa comunidade monoteísta não resta ao povo senão eleger os seus heróis como deuses, e é ao povo quem cabe escolher os deuses a quem presta culto. Geralmente fá-lo por via da afectividade ou do temor.
Clamam as pessoas cultas e intelectuais do país que é uma vergonha e que o povo devia “aprender” a amar mais os seus escritores, cientistas ou políticos. Ora tal como não se aprende a amar, também os políticos não precisam do amor do povo para nada e bandeiam-se para o panteão com a ajuda dos demais políticos. Pergunto-me que raio de herói é um presidente da república, cargo mais amorfo e cinzento não há, para ter lugar no templo dos deuses? Estão lá quatro!
Herói é aquele que pela sua coragem, destreza, atributos físicos ou morais, é autor de grandes feitos. Não vou discutir se um grande escritor, cientista ou artista pode ou não transformar a sua obra num grande feito que seja reconhecido como tal pelo povo a quem deve servir esse feito. É claro que pode, principalmente quando põe o seu prestígio e saber de intelectual ao serviço desse povo. Não basta ser muito bom ou o melhor na sua arte.
Mas o herói tem de ganhar sobretudo a estima do povo e isso é a afectividade em acção. Nisso não somos melhores nem piores que as outras nações. Arriscaria a afirmar que Pushkin é idolatrado pelo povo russo muito mais por causa dos vinte e nove duelos que travou, o último dos quais em defesa da honra de marido ofendido e que lhe causou a morte, do que pelos poemas que poucos lerão.
Eusébio morreu no passado dia cinco e o povo demonstrou com sinceridade o amor e afecto que lhe tinha. Merece ou não ser chamado de herói nacional? Merece ou não ir para o panteão?
Nestas ocasiões fica sempre bem chamar em socorro o velho Camões, cuja opinião é incontestável porque representa o grau máximo da nossa cultura, seja isso o que for, pelo que fico assim defendido do ataque dos intelectuais.
Heróis para Camões foram os doze de Inglaterra, uns moços belicosos cujo único feito notável foi terem viajado para as ilhas britânicas para andarem à porrada por causa da honra de uma senhora inglesa que nunca tinham visto e que ninguém se atrevia a defender. Por maioria de razão cantaria Camões os feitos de Eusébio que na mesma Inglaterra salvou a honra da pátria em risco de se perder por causa de três miseráveis golos metidos na nossa baliza sem resposta. Eusébio pegou no estandarte caído no relvado e marcou quatro de resposta deixando o quinto para o José Augusto. Foi feito que bastasse para ascender às honras de herói.
Por essa altura Portugal tinha outros heróis que foram chamados a dar a vida pelos interesses da Pátria na guerra do Ultramar. Em vez de perdermos tempo a contestar a merecida entrada de Eusébio em Santa Engrácia seria melhor organizarmo-nos para honrar os nossos heróis dessa guerra injusta cuidando-lhes dos túmulos perdidos no sertão africano. Com tanto português emigrado em Angola e Moçambique talvez fosse possível arranjar uma associação que tratasse do assunto. Os africanos não se oporiam e os heróis agradeceriam.


Sem comentários:

Enviar um comentário