quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Crónicas Gastronómicas V - OS CREPES DA SUZETE

 

Os famosos crepes suzette, invenção do grande chefe parisiense Escoffier fazem-se exactamente como qualquer outro crepe com uma ligeira diferença: o aroma a laranjas. Deixam-se cair do alto por uma peneira 110 g de farinha com uma pitada de sal. Faz-se um buraco no centro e deitam-se dois ovos inteiros e bate-se tudo muito bem com uma vara de arames. A seguir vai-se juntando lentamente uma mistura de 75 ml de água com 200 ml de leite, enquanto se mexe sempre muito bem. Quando tiver um creme fino, derreta 50 g de manteiga numa frigideira. Tire 2 colheres da manteiga e misture muito bem à massa. A restante manteiga reserve para lubrificação da frigideira que se fará com papel de cozinha. Termine a massa com uma colher de sopa de açúcar e a raspa de uma laranja média.

Numa frigideira de 18 cm de diâmetro bem quente vá deitando pequenas porções de massa. À medida que vão cozinhando, vire os crepes com cuidado ou então tenha a coragem de os virar atirando-os ao ar se não estiver ninguém a ver. Dá para cerca de 15 a 16 crepes. Não esqueça de ir lubrificando a frigideira com papel ensopado em manteiga.

Pergunta o amável leitor ou leitora a razão da fama desta sobremesa. É que os crepes foram cozinhados em honra de Eduardo VII que já tinha entrado na crónica das Sandes de Alexandra, lembram-se? Tudo aconteceu em Paris onde o então príncipe de Gales ia com a mesma frequência que uma beata vai à missa cantada por padre jovem.

Paris vale bem uma missa, por causa dos crepes e não só, como dizia o rei de Navarra que lá se deixou assassinar sem dar um grito, porque aquilo era gente de outra têmpera.Por se tratar de uma crónica de culinária e de um blogue lido por famílias, não contarei aqui como se divertia o príncipe e as filles de joie numa banheira em forma de cisne coberta até acima com champagne no famoso Le Chabanais. Também não ouvirão contar que a famosa casa visitada por Mae West, Humphrey Bogart e Gary Grant, tinha uma cama encimada com o brasão da casa de Windsor. Muito menos me atreverei a falar da famosa cadeira, ou mais apropriadamente siege d’amour, que o bordel, perdão, maison de tolerance, mandara construir propositadamente para as façanhas acrobático/amorosas do príncipe, que fariam corar de vergonha as páginas do Kama Sutra.

Se o príncipe gostava de se divertir, não gostava menos de comer e Escoffier lembrou-se de uma manteiga aromatizada com laranja para os singelos crepes. Misture 150 ml de sumo de laranja, raspa de uma laranja média, sumo e raspa de um limão pequeno, 1 colher de sopa de açúcar e 3 colheres de sopa de um bom cognac, que isto é receita de príncipes. Na frigideira derreta 50 g de manteiga sem sal, deite com gentileza a mistura de sumos e deixe aquecer lentamente. Vá pondo os crepes, um de cada vez, sobre esta mistura para os aquecer e ensopar, vire-os ao meio e outra vez até ficar um triângulo. Encoste o crepe à borda e vire a frigideira para que escorra o líquido para a outra borda. Retire e coloque o crepe no prato aquecido. Repita para cada crepe.

Depois de todos os crepes estarem em seus pratos coloque-os na mesa. E agora, com o pensamento na banheira cheia de champagne e naquela cadeira que o príncipe usava, seja ousado/a. Retire a frigideira do lume, deite-lhe dentro mais um pouco de conhaque e leve de novo ao lume a aquecer o álcool. Vire um pouco a frigideira de modo a pegar fogo ao brandy e assim, com tudo a arder e com o Credo na boca, vá deitando as labaredas de fogo sobre os crepes em seus pratos. Mas pelo amor de Deus não se queime, que isto de bordéis e flambés o importante é a gente não se queimar.

Tinha o príncipe enorme bom gosto, valha-nos isso, pelo que ficou horrorizado quando o chef quis chamar à sobremesa: Crepes Eduardo! Para sorte da humanidade em geral, e dos crepes em particular, passava no local uma jovem e bonita vendedora de violetas de nome Suzette...!

Champagne, manteiga a lubrificar, siéges d’amour, príncipes, flambés, e violetas, e mais as vendedoras delas… olhem, eu vou ali comer um gelado e já volto, que a Suzete está a fazer-me sinais.



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