domingo, 29 de julho de 2012

MENINA E MOÇA ME LEVARAM...


Menina e moça me levaram de casa de minha mãe para muito longe. Que causa fosse então a daquela minha levada, era ainda pequena, não a soube. Agora não lhe ponho outra, senão que parece que já então havia de ser o que depois foi. Vivi ali tanto tempo quanto foi necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente fui em aquela terra, mas, coitada de mim, que em breve espaço se mudou tudo aquilo que em longo tempo se buscou e para longo tempo se buscava. Grande desaventura foi a que me fez ser triste ou, per aventura, a que me fez ser leda. Depois que eu vi tantas cousas trocadas por outras, e o prazer feito mágoa maior, a tanta tristeza cheguei que mais me pesava do bem que tive, que do mal que tinha.
Início de “Menina e Moça” de Bernardim Ribeiro

Soube agora que a nossa primeira novela acabou de ser traduzida para o inglês, como o foi há nove anos para o francês. Não faço ideia da dificuldade em traduzir este nosso clássico renascentista, mas 450 anos é muito tempo. Isto diz muito da indigência de quem tem administrado a cultura no nosso país. O mal é antigo…
http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=574563&tm=4&layout=121&visual=49

sábado, 28 de julho de 2012

JOGOS, ALEPPO E MONALISA


Esta foi a semana do começo dos jogos olímpicos. Depois de Pequim, a vez de Londres. A realidade parece não ser bem assim, pois Pequim continua aí e para a próxima será o Rio. Londres é assim uma espécie de intervalo no eixo de quem domina e quer dominar. Uma cerimónia confusa, mas ao mesmo tempo simples, (que isto de crise toca a todos) depois da demonstração, em Pequim, do axioma “manda quem pode”. E ela, a China, podia e pode.
E o que vimos? Não ontem, mas em Pequim? Que o imperador Chin está bem vivo governando sobre 1/7 da população mundial no segundo maior país, mostrando que quer e pode mandar no resto do mundo. Tudo centralizado, tudo perfeito, e executado não numa simbiose do que é diferente, mas numa vontade e pensamento únicos, comandado por quem está por cima, que vela e cuida de quem está por baixo. Não houve lugar a veleidades criativas. A muralha da China e a cidade proibida podem estar acessíveis ao cidadão, mas a muralha e a proibição continuam lá, onde sempre estiveram, no espírito e no pensamento do homem comum. Foi preciso vir Londres para apagar aquela visão orweliana, angustiante, terrível, duma uniformidade que impede qualquer veleidade individual. Foi o grito do Homem, da sua liberdade, da sua criatividade, da sua vulgaridade até, que vimos ontem. Uma imensa elegia à arte pop, que tanto deve a Londres. A Inglaterra não precisa dos jogos para mostrar que tem intelectuais e artistas responsáveis pela excelência das artes e das técnicas. Tem-nos de sobra e são suficientemente conhecidos para precisarem da publicidade de cerimónias de abertura. Tudo foi entregue ao povo e ao seu gosto, exaltando uma liberdade que também foi apanágio do seu contributo para a história do Homem. A Inglaterra, ao contrário da China, era já um exemplo de liberdade quando conquistou o mundo. A China prepara-se para o fazer, na cultura do esmagamento do indivíduo.
Não morro de amores pela cultura pop, mas gostei de ver Danny Boyle, sem pretensões pseudo intelectuais e sem hesitar, colocar um dos melhores maestros da actualidade, Sir Simon Rattle, a dirigir a Sinfónica de Londres numa interpretação de Chariots of Fire, um pop-classic de Vangelis suficientemente boring para necessitar do inimitável humor britânico de Mr. Bean (Rowan Atkinson) que acompanhou a orquestra sob a batuta do maestro principal da Filarmónica de Berlim, num magnífico solo de uma nota só. Tão enfadonha era a música que Bean adormeceu, sem deixar nunca de tocar, não conseguindo acabar ao mesmo tempo que o resto da orquestra, relegando para segundo plano o brilhante maestro. Mais uma vez o povo comum, simples e ignaro no topo. E se dúvidas haviam que Isabel II era já um ícone pop, ontem ficou claro que aquela rainha distante e acima do comum dos mortais, não passa de uma avozinha, com a casa cheia de “netos” que, excitados, vêm chegar James Bond para escoltar a velha senhora. Quando James Bond (Daniel Craig), nos aposentos da monarca, pigarreia para chamar a atenção da senhora, ninguém esperava que aquela velhinha sentada de costas a uma escrivaninha, que se volta para mirar de frente a câmara, seja a própria rainha e não uma sósia, e pelos corredores do palácio vemos já uma bond girl, que só os seus dorgis e corgis ainda reconhecem como a sua rainha. E é uma bond girl de 86 anos que sobe ao helicóptero sob o olhar aflito dos seus cães, para depois saltar de pára-quedas sobre o estádio, e nós queremos acreditar que ainda é a rainha que faz o salto para, minutos depois, fazer a sua aparição no camarote, não ao lado de um fulgurante Bond, mas de um príncipe já velho e desencantado, como se tivesse acabado de lavar a loiça e deitado os netos. Sem qualquer pompa, que a circunstância é popular. Uma auctoritas e uma gravitas reconhecidas na liberdade que nenhum mandarim de Pequim jamais alcançará, e que não teme perdê-las tornando-se numa pop star. Obrigado Danny Boyle por esta lição de liberdade.
E em Aleppo só há liberdade para fugir. Uma das mais antigas cidades do mundo, é património mundial da Unesco mas, infelizmente, não é esse o motivo porque esta semana foi notícia. Aleppo está a ser bombardeada, pondo em risco o património construído e outro ainda mais precioso, constituído pelos seus habitantes. Cidade antiga, situada no final da rota da seda, foi cobiçada por todos e mais alguns, desde os hititas aos cruzados, passando pelos mongóis. Não houve bicho careta desde o Atlântico às estepes da Ásia que não meteu lá o nariz. Se a rota da seda se desfez, para descanso dos habitantes de Aleppo, com a abertura do Suez, não tardou que outra rota passasse de novo pelas suas ruas: a do gás e do petróleo, tão necessário aos cruzados americanos como aos mongóis de outras estepes, que vêm o negócio fugir-lhes por entre os dedos das mãos como a areia do deserto onde caem as bombas. O povo adormecido acordou, dizem. Quem o teria acordado? Que não…, que ninguém foi o despertador da Síria a não ser o seu ditador. Estúpidos ditadores que não aprendem a escolher os amigos como os da outra terra arábica, muito mais opressores mas cujo povo, pelo visto, continua adormecido. Isto é, não tem ninguém que o acorde é o que é.
Ninguém dorme em Aleppo nem na Síria. É sabido que na estrada de Damasco a luz é forte e é preciso semicerrar os olhos para poder ver, cegando quem não o fizer. Hoje, com os olhos postos nessa estrada de Damasco, esperemos que ela nos ilumine e nos transforme, como há dois mil anos o mundo se iluminou e transformou.
E falando em acordar, parece que os arqueólogos perturbaram o sono profundo de Lisa del Giocondo. Ou seja, mais precisamente o seu esqueleto que dizem estar em notável estado de conservação e que agora poderão recriar-lhe as maçãs do rosto e verificar se condizem ou não com as bochechas da Mona Lisa do quadro: a Gioconda pintada pelo da Vinci. A futilidade dos ocidentais diverte-se com estes pormenores. Na falta de dinheiro para encomendar obras de arte a artistas, escarafuncham o cadáver do modelo de pintor. E se as maçãs (do rosto) não coincidirem com as do retrato? Marcharão sobre a pont neuf para tomar o cais do Louvre e dali assaltar as Tulherias? De uma coisa estou certo: a Gioconda, essa… continuará a sorrir!

SAUDAÇÃO

A todos os que me lerem, desde já os saúdo. Aqui virei expor o meu pensar e a minha alma, tão nua quanto o pudor permitir. A porta fica aberta a quantos queiram entrar e participar. A janela também, para quem goste de espreitar…