quinta-feira, 9 de agosto de 2012

SABERÃO PINTAR?


Os músicos de Paula Rêgo (gentilmente tirado do site da casa das histórias)

SABERÃO PINTAR?

Conta-se que outro génio da diminuição das despesas do Estado e do equilíbrio do deficit, Salazar, preocupado com o prestígio do país perante um convidado importante da guerra de Espanha, encomendou um serão musical em São Carlos à famosa violoncelista Guilhermina Suggia. Esta, não querendo participar para o prestígio de Salazar nem do convidado, pediu uma soma exorbitante, convencida de que a sovinice do ditador a livrariam do incómodo. António Ferro, aflito, disse a Salazar que a senhora pedia muito, ao que Salazar perguntou se ele, António Ferro, sabia tocar rabecão. Perante a resposta negativa respondeu então que ele, Salazar, também não, pelo que o melhor seria pagar à senhora o que ela pedia.
E eu estou na mesma. Saberão os doutos autores do relatório de avaliação das fundações pintar tão bem como a Paula Rêgo?
Eu sou contra o despesismo do estado e acho bem que se mandem às malvas umas quantas fundações, mas isto de agarrar em todas, metê-las no mesmo saco, e depois fazer uma avaliação com classificações arredondadas a não sei quantas casas decimais não entra na minha compreensão. É que eu não sei avaliar em percentagens e em euros o gozo imenso da apreciação de uma obra de arte. E quando estamos a falar de um espólio invejado desde Londres a Madrid, de Nova Iorque a Pequim, custa-me aceitar que o critério seja definido por uns quantos burocratas com a licenciatura em dia, que deitam pela janela a água do banho com o bebé dentro.
Juntamente com a fundação da Paula Rego vai para o lixo a fundação das salinas do Samouco, um projecto de protecção ambiental das salinas que são património do Tejo e que a Europa obrigou à sua protecção quando da construção da ponte sobre o rio. Se não somos nós todos quem devemos proteger o património nacional, quem deve ser?
Mas há boas notícias. A fundação Mário Soares teve boa nota e a de Saramago também. Recomendam-se, dizem os relatores. É claro que ninguém acredita que teve alguma influência o facto de ambas terem as costas protegidas por dois partidos com capacidade de protesto invejável, enquanto que ninguém sabe em quem vota Paula Rêgo e as salinas, ao que se sabe, não votam. Além disso nas vacas sagradas ninguém toca, porque sabemos quão sensível é o governo a estas coisas do Oriente.
Tirei-me dos meus cuidados e fui ler os estatutos das fundações do Saramago, do Mário Soares e da Paula Rêgo. Descobri que as duas primeiras têm como fins e objectivos uma mão cheia de boas intenções. À partida não dão nada em troca, mas prometem dar. É claro que na casa dos bicos podemos apreciar a máquina de escrever do excelente escritor e na fundação de Mário Soares podemos ver o automóvel em que ele viajou durante as campanhas, para além das prendas que recebeu como presidente e primeiro ministro e que todos pensávamos serem património do estado. Mas todos têm boas intenções e prometem promover uma série de coisas. A da Paula Rêgo também. Mas enquanto o diabo, que é quem superintende no sítio onde estão as boas intenções, adivinha para quando a realização das mesmas, os anjos e os santos apreciam a beleza que Paula Rêgo criou e expôs na fundação com o seu nome.
Não faço a mínima ideia se na fundação da Paula Rêgo podemos ver os pincéis que ela usa ou usou, mas podemos ver a obra que criou com eles, ali, ao vivo, grátis. Uma obra que é cobiçada pelos grandes museus de pintura de todo o mundo. Isto, o estado não pode dar. Todas as boas intenções das outras duas fundações são já asseguradas por vários serviços do estado, autarquias, e outras fundações de igual cariz. Mas a pintura da Paula Rêgo só temos aquela… e as salinas do Samouco, também.
Mas os burocratas entenderam que as fundações que nos dão o que é único, fecham. As que nos prometem o que os outros já dão continuam. Questão de dinheiros, dizem.
Eu, que sou patriota (sem bandeira na lapela), tenho a solução para os filisteus do regime. Todos sabemos o quão amigo da pintura é o Dr. Mário Soares pelo que concerteza não se importará que as verbas destinadas à sua fundação contribuam para garantir a manutenção do espólio de Paula Rêgo em Portugal e à disposição dos portugueses. Quanto à fundação do Saramago, possui nos seus estatutos a protecção do meio ambiente (que há-de estar em toda a fundação que se preze tal como a Dona Constança está em toda a festa e festança), pelo que pode a partir de agora cumprir com uma das suas intenções e prescindir da contribuição do estado em favor das salinas do Samouco, protegendo o ambiente e cumprindo um dos propósitos da fundação. A Pátria agradecerá.

4 comentários:

  1. Em Portugal (pelo menos), convém manter por perto seja quem nos dá jeito (os compinchas) seja quem nos representa ameaça (os hostis). Os outros, deixa-os lá estar; não aquecem nem arrefecem e fazem o mundo girar... É uma fórmula que se aplica a tudo! Abraço e parabéns pelo excelente texto!

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  2. Puxa nem eu escreveria tão bem, nota 5 de 1 a 5
    Eu

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