sábado, 29 de setembro de 2012

DA INCOMPETÊNCIA


           A semana que passou foi pródiga em incompetência. Podemos mesmo dizer que assistimos a um autêntico festival de como não se deve fazer.

Começo pelo caso mais recente, quando todos pudemos assistir na pantalha ao dislate de um eminente presidente de um conselho de ética. Não querendo dizer o que disse, acabou a dizer aquilo que, infelizmente, todos já sabemos: que não é possível todos terem acesso a tudo em termos de saúde. O que se esperaria de um responsável por lições de ética é que dissesse que temos de fazer com que seja possível que todos tenham acesso a tudo em termos de saúde, cabendo depois aos vários intervenientes a escolha do mais adequado acesso. Foi incompetente.

          Também pela televisão que nos invade a casa diariamente pudemos assistir a um mau filme de série B. Um jovem estudante de um instituto onde se ensina, ou devia ensinar, ciências sociais e políticas, no átrio desse instituto, assobiou e titubeou um acinte à passagem do primeiro ministro, não com o objectivo de o insultar, mas tão só para impressionar duas ou três estudantes que por ali deambulavam. O chefe da segurança do governante, pago com o dinheiro de todos nós, não teve a competência necessária para avaliar que o assobio e o titubeio não representavam qualquer perigo para a segurança do homem a quem devia proteger. Vai daí, abandona o exercício dessa segurança, e, numa tentativa de impressionar as meninas da casa dos segredos, atira-se ao jovem e aos jornalistas que o filmavam, qual rambo hollywodesco, esquecendo-se do sítio onde estava e do homem a quem devia proteger, pondo em perigo quer o físico quer a imagem do dito. De ora avante, qualquer terrorista competente ficou a saber que lhe basta provocar uma distracção para que o governante de todos nós fique à mercê dos seus actos, porque o chefe da sua segurança traz ao peito o nome: INCOMPETENTE.

          Quanto a um estudante de ciências sociais e políticas esperar-se-ia que devesse saber como organizar uma arruaça, e que as meninas de hoje já não se impressionam com assobios. Devia também saber que dentro do átrio de uma universidade o estudante tem imunidade perante as forças policiais e que um segurança só tem autoridade para defender o seu chefe e não para atacar, pelo que lhe competia ter recusado acompanhar o polícia com palmadinhas nas costas, devendo até provocar para que este lhe desse umas duas ou três bastonadas, para aumento do prestígio aos olhos do belo sexo. Um estudante e um polícia, nestas alturas, devem comportar-se como o cão e o gato, raios. E os estudantes de uma escola, mesmo que simpatizantes do governante e da sua segurança, devem, em nome da competente solidariedade estudantil, defender um colega, senão camarada, da repressão policial, e esquecer por uns momentos as mensagens do telemóvel.

          Aos directores dos repórteres assaltados competia mostrar o fo…, perdão, a cara do incompetente segurança, visto que não tem direito à privacidade num lugar público exercendo funções públicas. Ao não mostrarem, foram incompetentes. Estudantes, segurança e jornalistas, uma mão cheia de incompetentes.

          Espero agora que o senhor primeiro-ministro seja suficientemente competente para demitir o homem que tão incompetentemente pôs em causa a sua segurança e a sua imagem.

          Ao senhor reitor da universidade insultada espera-se a competência necessária para apresentar um protesto, demitindo-se se não for atendido. É que no tempo do fascismo, um reitor fascista teve a decência e a competência para se demitir por causa de uma carga policial dentro do recinto universitário. Que o fascismo não dê lições de competência à democracia é o mínimo que devemos esperar.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O PARTENON E OS SEUS FRISOS

          Quando Fernando de Saxe-Coburgo chegou a Portugal para casar com a rainha D. Maria II, não gostou de ver o desprezo que o governo nacional votava aos monumentos do país, muitos deles abandonados devido ao decretado fim das ordens religiosas. Foi o caso do mosteiro da Batalha que, dizem as más línguas, esteve a ponto de ser desmantelado para venda da sua pedra. A este príncipe austríaco se deve assim o restauro, aos nossos olhos actuais desastrado, daquele belo monumento. Destruiu-se o barroco, o maneirista e o tecido urbano envolvente, mas preservou-se o gótico e o manuelino tão ao gosto romântico da época. Foi o nosso primeiro restauro monumental oficial. Por essa época Vítor Hugo chamava à razão as autoridades de Paris pelo estado deplorável da igreja de Notre Dame, uma das mais belas igrejas góticas (das que conheço a mais bela), promovendo o interesse dos franceses para o seu restauro, depois de prostitutas terem dançado sobre os seus altares. Muito antes destes acontecimentos, Lord Elgin, numa leitura talvez abusiva da autorização dada pelo sultão de Constantinopla, levou grande parte dos frisos do Partenon para Londres e, por essa razão, estão hoje no museu britânico. A Grécia, mais tarde independente dos turcos, não gostou.
          Vem isto a propósito de um convite feito por um amigo para assinar uma petição exigindo o retorno a Atenas dos frisos. Confesso que hesitei em fazê-lo. São magníficos e compreende-se que os herdeiros o queiram de volta. São uma das razões que me obrigam a voltar a Londres para os ver com redobrada atenção. A sua fruição, a par de outras belas e magníficas peças, é gratuita: o governo de Sua Majestade teve o bom senso de proporcionar gratuitamente a fruição de todo o espólio “roubado”. E roubaram porque foram talvez os primeiros a perceber da sua importância. Importámo-nos com a Batalha antes de Fernando, um germânico romântico, a ver e admirar?
          O Partenon, templo pagão, foi igreja cristã, sofreu tratos de polé dos bizantinos e depois os turcos fizeram nele uma mesquita e erigiram um minarete, respeitando-lhe as paredes, até que se lembraram de o transformar em paiol de munições, que um canhão veneziano, com grande pontaria, fez ir pelos ares, juntamente com o telhado, meia dúzia de colunas e umas poucas de estátuas. O “roubo” dos frisos foi assim um furto a quem não lhes dava importância.
          O abuso de lord Elgin não foi, ao tempo, criticado senão pelos próprios ingleses, desde logo por Byron que, não obstante, achou Sintra mal empregada para portugueses. Se eu fosse inglês recusaria a entrega dos famosos mármores. Se fosse grego exigiria a sua restituição. Julgo que ingleses e gregos são suficientemente adultos e inteligentes para encontrarem uma solução a contento, e estando os mármores à disposição de quantos os queiram apreciar, não vejo porque tenha que assinar petições a dar lições a gregos e ingleses.
          E acabo como comecei: ao nosso Fernando, quando viúvo da rainha, ofereceram os gregos o trono da Grécia. Recusou! 

sábado, 22 de setembro de 2012

EM BELÉM


Sócrates encontrava-se em Belém. Viera protestar e aproveitara para saborear os pastéis, trincando aqui e acolá a massa estaladiça enquanto, com a língua, sorvia o creme dourado que escorria. Depois de deglutir o bocado trincado, interrompia o gozo das papilas gustativas para exercitar as cordas vocais gritando insultos à troika, aos conselheiros, aos governantes e ao estúpido do garoto que deixara cair o gelado sobre os sapatos acabadinhos de engraxar. Xantipa proibira-o terminantemente de ir a Belém sem os sapatos a brilhar. O que ela não precisava, dizia, era que a Maria que lá vivia, a acusasse de não cuidar convenientemente do seu homem, e Sócrates não teve outro remédio senão dar-lhes uma boa escovadela.
          Entre um grito e uma trincadela viu, à sua frente, Aristófanes gritando a ponto de enrouquecer.
-       BANDIDOS!
-       Aristófanes, companheiro, tu por aqui?
-       Sócrates, amigo, onde querias que estivesse? Vir hoje a Belém era um imperativo categórico.
-       Deixa-te disso, que o filósofo aqui sou eu. Admiro-me porque pensei que tinhas entrado na casa dos segredos.
-       Nem me fales nisso. Candidatei-me mas não fui aceite. Se me aguentasse pelo menos duas semanas, sempre me aliviava as contas em atraso, mas não. Exigiram-me exames médicos e… olha, foi uma desgraça.
-       Não me digas? E que tens tu?
-       O fígado!
-       Que tens fígado já eu sabia. E depois?
-       É isso mesmo, já quase não o tenho. Mas não é tudo, em compensação os pulmões têm mais alcatrão que as ruas do meu bairro.
-       E já foste ao médico?
-       Já. Um bandido… BANDIDO – aproveitou Aristófanes para gritar ao ministro que subia a rampa entre o brilho dos capacetes da guarda republicana, e continuou.
-       Um bandido. Vê lá tu que me pôs a pão e água e proibiu-me de frequentar a tabacaria, aquela do Camões, que tem uns cubanos que não se vendem sem primeiro passarem no teste do Fidel.
-       Não me digas? Ele há coisas. Mas vejo ali o dono do restaurante que te pôs o fígado nesse estado. Porque não aproveitas e dizes-lhe umas verdades? Porque não o acusas dos teus males?
-       Tu não bates bem Sócrates. Então o homem só queria o meu bem. Além disso está aqui na manif, não está. Só pode ser boa pessoa.
-       Mas olha, também ali está o sócio da tabacaria do Camões. Se fosse a ti ia lá e enfiava-lhe um charuto pela boca dentro.
-       Coitado, tão bom homem. Vê lá tu que até lhe pagam uma fortuna para gerir uma fundação cultural.
-       Mas então aguenta-te com o médico e com a cura.
-       Mas Sócrates, aguentar eu aguentava, mas o tratamento mata-me. Que hei-de fazer?
-       Olha, grita pr’aí. Grita alto, Aristófanes, porque ainda agora atravessou o Pátio dos Bichos o conselheiro que te matou o fígado enquanto te matava o bicho. Mas se eu fosse a ti gritava também com aqueles dois que ali estão. Se o médico não presta, olha que aqueles fizeram um belo serviço em te porem nesse estado.
-       Achas?
-       Se não gritas com eles, ainda os chamam para te tratarem da saúde. E entre uns e outros o diabo que escolha.
Aristófanes olhou, desconsolado, o amigo, e disse:
-       Companheiro Sócrates, agora me lembro, não estavas em Paris?
-       Eh. Calma aí. Esse usurpou-me o nome. E fala baixo.
-       Porquê?
-       Porque por aqui a memória é curta. Se me confundem com o outro, ainda me chamam a governar.
-       BANDIDO!
-       GATUNO!

terça-feira, 18 de setembro de 2012

TRAGÉDIA E FARSA


Não tendo ministério da cultura, o governo não se coibiu, no entanto, de ser o responsável pelo maior número de eventos ocorridos em somente duas ou três semanas, as últimas que passaram e correm.
Ele foi teatro de sombras, robertos, ópera bufa, opereta, marchas, e um ex-ministro e comentador televisivo, em parceria com um responsável por uma ONG, ainda protagonizaram um episódio da série “os sopranos”. Não nos podemos queixar. Como bónus ainda se representou a tragédia de Margaret Thatcher mas agora em farsa, que é como sempre acontece, e em género travesti.
Para coroar este autêntico festival cultural de fim de verão, o top dos tops da programação televisiva: estreou-se mais uma “casa dos segredos” com um número de candidaturas superior ao do ensino universitário. É caso para dizer: Tende piedade de nós Senhor! Que isto não são tempos para luxos ateus.
Ensaiam-se novos números, ao que sei. Num país abatido pela tragédia, esperemos para ver os novos farsantes.

domingo, 16 de setembro de 2012

QUE SE LIXE A TROIKA


Hoje não me apetece escrever crónicas, mas compromissos são compromissos. Iniciei um blog e comprometi-me em mantê-lo pelo menos uma vez por semana. Mas hoje, em que foram todos para a rua protestar?... Eu não fui, mas também não me apetece escrever a crónica.
Eu até ia à manifestação. Não gosto do Relvas, o Coelho é um sonso e o Gaspar tem ar de quem gostaria de estar em qualquer outro sítio que não ali, à torreira do deserto orçamental… Se a manifestação fosse contra o despesismo absurdo das obras do marquês, que ninguém pediu, ninguém sentiu falta, ninguém entendeu, eu ia, porque conheço uma rua ou duas em Lisboa a precisarem de obras, uma escada ou duas, daquelas que sobem as colinas, a necessitarem de novos degraus. Mas não. A manifestação foi contra a austeridade. E lá estavam os políticos que não se manifestaram quando se gastava mais do que se tinha e insultavam quem dizia que estávamos de tanga, lá estavam, a dizerem ao povo que atire com o governo pela janela, e com ele a austeridade.
Também lá estava quem não gosta de partidos a dizer que se acabe com eles, e a assaltar as escadas do parlamento com petardos. Ainda me lembro de viver num país sem partidos, mas nesse tempo chamava-se a isso ditadura e não se gastava mais do que se tinha, havia austeridade e grande, mas enfim, os manifestantes lá saberão o que querem. Depois vi também que o slogan do dia era, que se lixe a troika, queremos as nossas vidas, e os tais líderes a apoiarem, a dizerem que sim, que se lixe a troika que teremos de volta as nossas vidas. Só não os ouvi dizer como. E por isso não fui à manifestação, e resolvi dar uma volta pelas leituras deste Domingo: podia me dar para pior.
Parece que este domingo se lê a carta de Tiago que talvez seja, ou não, aquele Tiago mata mouros, filho do trovão, que era capaz de partir tudo à sua frente para proteger o seu mestre, talvez que este Tiago da carta gostasse de manifestações, não sei. E o que diz ele?
Diz por exemplo isto: Se um irmão ou uma irmã não tiverem que vestir e lhes faltar o alimento de cada dia, e um de vós lhe disser: “Ide em paz. Aquecei-vos bem e saciai-vos”, sem lhes dar o necessário para o corpo, de que lhes servem as vossas palavras? Assim também a fé sem obras está completamente morta. Mas dirá alguém: “Tu tens a fé e eu tenho as obras, mostra-me a tua fé sem obras, que eu, pelas obras, te mostrarei a minha fé.”
Assim me pareceram os líderes políticos nesta manifestação. Dizem ao povo que mandando lixar a troika teremos as nossas vidas, mas não nos dizem onde iremos arranjar com que alimentar e aquecer o corpo. Têm fé, mas não têm obras!
Pois então, não. Não fui à manifestação.

sábado, 8 de setembro de 2012

DO BANQUETE À TOURADA

Sócrates e Aristófanes deixaram a orgia de Agaton, logo cedo pela madrugada. Um pouco tocados, não tiveram outro remédio que não fosse ampararem-se um ao outro, quando não estatelavam-se os dois e partiam o nariz de encontro ao duro negro do asfalto da estrada, e lá se ia o belo perfil que faz as delícias nos louvres do mundo civilizado. A dada altura, um pouco cansados, sentaram-se ao fresco dos plátanos, por alturas do Campo Pequeno. Agaton vivia numa penthouse ali para os lados da cidade universitária e em breve os dois amigos se separariam uma vez que Sócrates habitava um apartamento cedido pela Câmara na Graça e Aristófanes partilhava três assoalhadas com dois erasmus numa travessa esquecida entre o São Carlos e o São Luiz, dois santos muito dados à comédia e à tragédia como se sabe. Foi quando Aristófanes disse:
-       Vens logo à manif?
-       Que manif.
-       Contra as touradas.
-       Mas o que tens contra os toiros?
-       Contra os toiros, nada. Tenho é contra quem gosta delas.
-       É o teu direito, e o que vinha eu fazer?
-       Não achas que gostar de touradas é um retrocesso civilizacional?
-       Um retrocesso civilizacional? Como assim?
-       Então, gozar num espectáculo em que se massacram animais não é um retrocesso civilizacional?
-       Talvez, embora não veja como é que algo que sempre existiu de repente passa a ser um retrocesso – por esta altura Sócrates pensava numa desculpa para dar a Xantipa por chegar àquela hora da manhã, enquanto Aristófanes retorcia os neurónios para tentar perceber aquilo do retrocesso.
Sócrates arrotava o vinho alentejano que bebera em demasia quando Aristófanes lhe atirou:
-       Mas hás de convir (repararam que não pus o tracinho conforme manda o acordo?... Peço desculpa, continue por favor)… hás de convir que agarrar num pau com um ferro e espetá-lo nas costas de um bicho é pouco civilizado.
-       Achas? No entanto hás de também concordar que quando o macaco do teu avô se pôs em dois pés, pegou num pau e fez dele uma arma de morte, iniciou o que tu chamas de civilização!
-       Caim…
-       Magoaste-te, tofu? – Aristófanes era assim conhecido pelos amigos mais íntimos, e Sócrates fazia questão de realçar a intimidade com aquele petit nom, o que deixava o comediante muito lisonjeado.
-       Não, não me magoei, porquê?
-       Ouvi-te ganir…
-       Eu disse Caim. Falaste num pau para matar, lembrei-me de Caim. Fiz mal?
-       Ah, Caim! Não, não fizeste mal. Sabes que essas histórias dos judeus não são bem a minha onda, mas se elas dizem que Caim simboliza o início da civilização, não serei eu a contrariar. Como vês, parece que não vais bem por esse caminho da civilização…
-       E se em vez da arma fosse, sei lá, o escopro do escultor, o pincel do pintor ou a pena de quem escreve?
-       Fosse o quê?
-       Quando o macaco do teu avô decidiu iniciar a civilização…
-       Agora insultas-me?
-       Foste tu que começaste.
-       Tens razão. Faço-te a vontade. De facto a arte é factor civilizacional, mas olha que não raras vezes serviu para a exaltação da guerra, da morte, enfim, da violência.
-       Habituado que estás a apanhar de Xantipa, já não dizes coisa com coisa, caro Sócrates…
-       Mas repara, não foi Homero quem exaltou as virtudes da guerra na Ilíada!
-       Estava cego!
-       Mas não o estavam Picasso, Hemingway, Lorca, e fartaram-se de exaltar as virtudes da tourada! E a propósito, não eram eles lá das esquerdas de que tu tanto gostas?
-       Eram, e depois?
-       E depois, não me vais dizer que esses monstros da arte representaram um retrocesso civilizacional, pois não?
-       Não me atreveria a tanto, mas olha que não os entendo.
-       Mas entende a arte, que não é mais que a representação do símbolo. E o símbolo representa o mito. Por isso a tourada é o ritual de um mito. Concordas comigo quando digo que o rito é a dramatização do mito através do símbolo, que neste caso é o toiro.
-       Mas porquê o toiro?
-       O toiro representa a natureza bruta que é preciso vencer para bem da civilização. É um monstro, meio homem meio toiro que Teseu mata no labirinto de Creta. Numa sociedade tradicional o símbolo tem importância sagrada, enquanto numa sociedade profana o símbolo morre, e temo bem que com ele morre a nossa civilização. Por isso não fales de retrocesso mas antes de morte da civilização que tu e eu ajudámos a criar.
-       Que será substituída por outra mais justa, mais solidária, mais…
-       Se tu o dizes.
-       Digo porque me custa ver a violência.
-       O mundo é violento. Conheces maior violência que a que se inflige a um ser que sai do útero de sua mãe para ver a luz do mundo?
-       Será por isso que a malta lá da manif também defenda que não há mal em que tal violência seja evitada?
-       O que dizes?
-       Nada, esquece. Espera aí que preciso atender o telemóvel… tou!?
Sócrates olhou Aristófanes que atendia o aparelhozinho infernal feito à custa da violência da escravatura infantil. Era um excelente comediante, pensou, mas incapaz de perceber a alegria do triunfo daquele primeiro homem que, com um pau, matou a fera dando início à marcha da civilização. Era incapaz de aceitar uma alegria feita com violência e nem mesmo a reconhecia quando, feliz no seu amor pela natureza, regava o bonsai de carvalho a quem violentamente impediram de crescer por razões estéticas. Bocejou, talvez fosse fome mas não pensou muito no assunto pois tofu desligara o aparelho e disse-lhe:
-       Bolas, já não vou à manif.
-       Então porquê?
-       A Paula, a do café, lembras-te? Aquela que tem tudo no sítio certo!? – e dizendo isto, fez um gesto com as mãos descrevendo as formas do violoncelo, vício que adquirira pelo contacto próximo do São Carlos  -  Não pode ir. Morreu-lhe o peixinho do aquário. Está de rastos, coitada.
-       Tenho fome…
-       E se fossemos até à roulote? Servem uns couratos e umas bifanas de estalo.
-       E Xantipa?
-       Xantipa que espere.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

ANDAR, OU NÃO, DE BICICLETA

A cidade de Caldas da Rainha é moderna e cheia de preocupações de ordem ambiental. Uma vez por ano lá fazem o dia sem carros, com o fecho de algumas ruas, incomodando os automobilistas e obrigando-os a dar uma volta maior para saírem do centro, aumentando a poluição e o consumo de combustível, mas salva-se o dia politicamente correcto. Em defesa do uso da bicicleta construíram até um corredor próprio entre a cidade e a Foz do Arelho.
Para grande pasmo meu, descobri que no parque da cidade, o parque D. Carlos I, é proibido andar de bicicleta. Assim, os pais que queiram ensinar os filhos a andar na dita cuja ou simplesmente deixarem os filhos treinar em segurança, não o podem fazer no parque da cidade. É caso para apelar à desobediência civil. Vamos todos andar de bicicleta para o parque da cidade.