Hallloween, ou dia das bruxas, como nós dizemos, celebra-se na véspera de Todos os Santos. O nome encontra explicações várias mas nada tem a ver com bruxas antes querendo significar vigília ou véspera de um evento importante, neste caso a celebração cristã do dia de Todos os Santos.
Encostada
à festa de Todos os Santos quis a Igreja colocar a comemoração da lembrança dos
fiéis defuntos. Aqueles que, ao contrário dos santos, não têm o nome inscrito
na memória colectiva. Este encosto aos santos não é inocente porque,
coincidência ou não, calha mesmo na altura em que os povos celtas com a sua
religião druida comemoravam as festas dos mortos. E por isso cá temos as
bruxas, os monstros, o terror e a morte.
A
proibição protestante do culto aos mortos, que em determinadas alturas assumiu
contornos dramáticos com a proibição de qualquer luto, provocou a diferença
entre o carácter religioso, no mais autêntico sentido da palavra que significa
re-ligar, da memória colectiva dos mortos, e o carácter lúdico sobre a morte,
porque o riso espanta o medo.
Este diferendo
entre as duas concepções cristãs pode estar na origem da tradição
anglo-saxónica de pregar partidas a quem não ofereça os doces ou bolos
tradicionais, pois parece que, aproveitando-se da tradição de pedir de porta em
porta, aterrorizavam assim os católicos ingleses, durante um período em que as
práticas católicas foram proibidas, mais por questões de ordem política que
religiosas.
A prática das
crianças pedirem de porta em porta por esta altura e o uso de máscaras
lembrando a morte, não é, no entanto, exclusiva da tradição protestante e
anglo-saxónica, tendo sido comum a quase toda a Europa. É o costume moderno de esconder
a morte, no entanto, que nos faz correr o risco de perdermos a autenticidade desta
data, trocando-a por um carnaval fora de época importado via América, esse
grande país ainda adolescente. Afinal todos celebram a morte: uns lembrando os
mortos, outro rindo do medo que ela provoca.
Independentemente
da crença, ou descrença, de cada um, julgo que há mérito em lembrar colectivamente
os mortos. É uma experiência sociológica interessante visitar os cemitérios
nesse dia, principalmente os da província. A celebração não chega ao esplendor
mexicano onde não faltam guloseimas, mas não deixa de ser um momento de
convívio colectivo com a memória dos que partiram que não deixa ninguém
indiferente.
Vai mal uma
sociedade que, em nome duma produtividade duvidosa, impede o povo de se
confrontar com a sua memória colectiva. Vai mal uma escola que inculca
tradições estranhas sem sentido, esquecendo os nossos requiem, as nossas alminhas,
os dobres a finados convidando a lembrar quem parte, as nossas visitas anuais aos cemitérios. Preservá-las porque
são engraçadas? Não. Preservá-las porque dão coesão social, porque nos ligam
como comunidade que somos com passado e presente, para podermos ter esperança
no futuro.
Dizem que se morre
duas vezes. A primeira quando fisicamente desaparecemos e a segunda quando
deixamos de ser lembrados.
REMEMBER ME… lembra-te de mim, grita Dido quando sabe que vai morrer, na
tragédia posta em música por Purcell. É o grito de todos aqueles que partiram: LEMBRA-TE DE MIM!
Para que lembremos os
que foram, aqui fica o lamento de Dido na emocionante interpretação de Jessye
Norman.