…
- Está muito calado, hoje… quer que fale eu? E de
quê?... De como foi estar grávida? O que há para dizer? Acontece a todas as
mulheres… ou a quase todas. Era bom, davam-me sempre prioridade no mercado.
…
- Se eu ia muitas vezes ao mercado? Porquê?... Se não
tenho criados? Claro, mas gosto de ir às compras… Se tinha receio? Claro que
não. Ia sempre acompanhada de um jovem pajem… o quê? Tem ciúmes do pajem? Quem
tem direito a ciúmes é Francesco não o Leonardo.
…
- De novo?... Insiste que baixe o decote… Leonardo, que
lhe fiz para se atirar a mim assim, descaradamente, faltando-me ao respeito… o
quê? Este sorriso convidativo e sedutor que tenho? Mas eu detesto este sorriso
de mosca morta… o quê? Porque o uso? Ora, se foi você que me obrigou a pô-lo…!
…
- Aborreço-me aqui, e pede-me para estar quieta. Que
quer? Tenho comichão… onde? No nariz. Posso coçar?... Não? Quieta, calada e com
um sorriso maroto… o vosso ideal de mulher, não é? E eu cheia de comichão…
…
- E o quadro quando
acaba?... Está quase? Deixe-me ver. Deixe, deixe, deixe.
…
- Uhm. Vire-o para ali… O que quer? Dá-lhe a luz em
cima e vejo mal… uhm, uhm… Está mal!... O que digo? Está mal. Uma porcaria. Bem
me dizia a outra que era um pintor de paredes… ofendo-o? Pois se o quadro está
mal… onde? Não deu pelo erro? O horizonte… o horizonte está mal. Está mais alto
do lado direito do que do esquerdo… é de propósito?... Por causa do lado
feminino e masculino?... porquê? Tem dúvidas?... Enganou-se foi o que foi.
Agora dá desculpas.
…
- Tenho os olhos inchados.
…
- Porque não dormi? Não sou eu: é o quadro. Está com os
olhos inchados…o quê? Há fumo? Onde?... ah, usou a técnica sfumato? E isso é que me põe os olhos inchados?... Agora é da
técnica sfumato. Tenho os olhos
inchados, é o que é.
…
- Tenho comichão… Se baixasse o decote e subisse o
peito, ficava melhor? E que tem isso a ver com a comichão?... Olhe, sabe o que
digo? Pinte-se a si… Onde vou? Estou cheia de comichão e coço-me. Adeusinho.
(continua...)
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