domingo, 24 de março de 2013

SANTOS E POLÍTICOS

 
 
Certo dia, por volta da hora do almoço, bati à porta do convento do Varatojo: precisava de tratar de coisas relacionadas com música e casamentos. Bater é uma força de expressão, na verdade puxei uma corda que fez soar a campainha.
A porta demorou a abrir. Os conventos são rigorosos com as horas: das matinas às completas são quase sempre horas de rezar, mas também de comer e todas são sagradas, por isso julgo que haverá hora de abrir portas e eu tive de esperar por ela.
          Abriram-me a porta dois amáveis frades, amáveis mas assertivos, de corpos cilindricos cobertos da túnica franciscana que deixava ver os pés metidos nas sandálias. Em terra desabituada de frades desde António Joaquim de Aguiar, pareceram-me figuras de banda desenhada.
          Por saber que o noivo era da Vermelha calhei em falar-lhes de São Luís, patrono daquela freguesia: falar de santos a frades deve ser simpático, pensava eu na vontade de querer conquistar-lhes a simpatia para o que vinha. Engano meu: um dos frades quase chispou ao ouvir o nome do rei cruzado. Bandido, assassino, de tudo o insultou o frade para grande admiração minha que pensava que um católico, qualquer católico e ainda para mais frade e franciscano, deve amar todos os santos da sua Igreja, mas o frade sabia que não é por muito lavar as feridas dos pobres que se limpa a alma dos pecados, e o rei Luís de França tinha-os de sobra.
Infelizmente tenho amigos sem o espírito crítico daquele bom frade, e em tratando-se dos ícones do seu partido correm a incensarem a presunção de santidade, só porque atravessaram o deserto em boulevards mundanos.
Isto de misturar religiões com partidos tem que se lhe diga, mas por vezes as devoções partidárias confundem-se com as religiosas. Eu, por exemplo, consigo perceber a diferença entre um católico e um luterano, mas entre um baptista e um metodista precisaria de um estofo intelectual que não possuo. Quanto aos partidos é o mesmo. Se calho conversar com amigos do CDS, confundo tudo e julgo estar a ouvir um velho militante socialista, quase a tombar para a esquerda revolucionária. Se oiço um amigo socialista julgo entender que me fala da doutrina social da Igreja. Depois de muito esforço percebo que a única diferença que separa um socialista de um democrata cristão é o casamento homossexual, o aborto e a eutanásia, apesar de em qualquer deles encontrar devotos praticantes desses temas. Quanto aos meus amigos sociais-democratas fazem-me lembrar velhos miguelistas a jurar a carta constitucional. Ou seja, é tudo uma questão de costumes. Nada de muito profundo que não se cure com o tempo.
Não pensem que não tenho amigos no bloco. Tenho alguns. São simpáticos, iguais aos outros todos, mas vivem atormentados por não terem coragem para abandonar os privilégios com que vivem e por isso parecem diferentes, fazendo lembrar os cruzados (porque fui falar no São Luís?).
E os comunistas? perguntam-me e eu respondo: os comunistas sabem escolher os amigos e mais não digo.
Vem isto a propósito de um filho pródigo (já que comecei com religião acabo com ela), que regressa agora a casa e quer por força pregar o seu sermão. Os meus amigos não socialistas começaram já a atirar-lhe pedras, e os meus amigos socialistas querem elevá-lo aos altares. E eu? Sabendo que a criatura seria atirada na enxovia de uma prisão se conseguissem provar só um terço dos crimes de que lhe acusam, gostaria somente que a justiça actuasse: para o condenar ou absolver.
Aos que atiram pedras, lembro o velho adágio dos telhados de vidro. Aos que queimam incenso e acendem velas à frente da pantalha, lembro que um filho pródigo só o é depois de verdadeiramente arrependido. Peço-lhes que se lembrem daquele frade do Varatojo com que comecei a história, e de São Luís que também foi governante e político. É que o homem pode não ser nenhum criminoso mas santo é que não é: O cheiro do enxofre que traz dos encontros com o mafarrico empesta os ares.


3 comentários:

  1. Não esquecer de ler com sotaque de tia de Cascais... é de partir a loiça a rir.

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  2. Ai que blogue tão confuso. Até escrevi o comentário na publicação errada. (tia de cascais)

    Raios quebrem a terrina da sopa!

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  3. Pois enganou-se caro anónimo. Aqui o sotaque não é de Cascais mas mais de São Mamede em Lisboa.

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