Estava
há menos de um mês de fazer dezassete anos e acabava o curso da secção
preparatória da escola industrial, o equivalente ao 11 º ano dos dias de hoje,
ou o antigo 7º ano dos liceus, quando se deu o 25 de Abril. Em Moçambique, onde vivia, a notícia
tardou em chegar (o governo da colónia encarregou-se de a ocultar tanto quanto
pôde) e esta viria através dos media sul-africanos. Por razões que não me
ocorrem, estava nesse dia em casa, sem aulas, e pela hora do almoço o meu pai
trouxe a notícia de que algo se passava em Lisboa. Corremos para o rádio
tentando sintonizar uma antena sul-africana.
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Prenderam o Marcelo Caetano! – aquelas palavras soaram-me de tal forma estranhas,
como se o mundo se tivesse virado do avesso. Como era possível a tropa prender o presidente do conselho de
ministros? Os anos de ensino da ordem estabelecida pelo Estado Novo, e a
completa impreparação política faziam-se sentir no esplendor da minha
ingenuidade de adolescente. Nem o conhecimento das cabeças cortadas de Luís e
Antonieta, nem a fotografia de José Relvas, nos livros de história, saudando a República da varanda do
município de Lisboa, conseguiam romper aquela certeza incutida da sacralização
de quem detinha o poder.
Hoje, felizmente, um jovem de dezasseis anos sabe que
um primeiro-ministro pode ser derrubado à boca das urnas ou por consequência da
revolta nas ruas. Sabe também que pode insultá-lo na rua, bastando manter uma distância
razoável dos seus seguranças e da polícia, e completamente à vontade nas redes
sociais. O que ainda não sabe é que em democracia se respeitam as pessoas e
contestam as ideias. Não sabe o adolescente e não sabem muitos dos que emitem
opinião nos jornais, na televisão e na internet. Passados 39 anos, não se
admite que quem pensa diferente de nós quer o mesmo que nós: o bem viver da
polis; embora escolha caminhos diferentes.
É a Câmara Municipal, conjuntamente com a junta de
freguesia e assembleia municipal, a instituição que mais próxima está das
populações e a que encontra maior equilíbrio entre a democracia representativa
e a democracia directa. Foi a força dos municípios que desde a fundação do
reino permitiu que as populações tivessem voz junto do rei, fugindo à lógica
feudal. Inventar outras formas de representatividade mais ou menos directa é
causar divisão e confusão.
É por isso que não compreendo que nesta cidade de
Caldas da Rainha de onde escrevo, se denigra essa instituição e as pessoas que
para ela foram livre e democraticamente eleitas, porque não pensam da mesma
maneira. É preciso outra participação e outra crítica que não passe pela funalização das instituições.
Não compreendo que a hipótese de se conceder ao
município a gestão de um hospital termal, cuja história se confunde de tal
forma com a cidade que até a data solene da sua abertura foi tornada feriado
municipal, seja contestada somente porque não se concorda com a orientação dada
à gestão da coisa municipal, esquecendo que as pessoas passam e as instituições
ficam.
Este ano, graças a uma quinta-feira igual à de hoje,
haverá eleições livres e democráticas para a gestão municipal. Não acredito que
algum partido ou grupo de cidadãos se possa apresentar à eleição de um órgão
negando à partida a excelência e a capacidade desse órgão em assumir a gestão
da primeira instituição da cidade. Bem sei que pode ser um presente envenenado,
mas cabe às instituições da cidade zelar pelo respeito ao compromisso da rainha
D. Leonor e exigir do governo o cumprimento do Serviço Nacional de Saúde dentro
do hospital termal. Cabe-nos exigir das instituições esse zelo e apoiá-las no
que for necessário, esquecendo quezílias partidárias.
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