sábado, 28 de dezembro de 2013

LÁ FOI, LÁ VEM!


Lá se foi mais um Natal. Votos lamechas, objurgações contra o consumo, piadas patetas dos que, embuchados com as broas castelares, vão dizendo que não passa de um mito ou perguntando com malícia sobre quem era José no meio do triângulo virgem, menino e Deus, dizendo muito pouco sobre o Natal mas muito sobre a sua própria patetice. Tudo como dantes, devidamente misturado com o bacalhau, as filhoses e os coscorões.

          Afinal o Natal é tão somente a celebração de um Deus que se fez menino para provar que é possível salvarmo-nos de nós próprios. Que é possível um mundo justo que não depende desse Deus que se fez menino, mas de nós. É só seguir-lhe o exemplo.
 
Um bom Ano de 2014 para todos, e não se esqueçam de aparecer no dia 1 de Janeiro no Centro Cultural e Congressos de Caldas da Rainha, às 17h00 para mais um concerto de Ano Novo que pede meças ao de Viena. Com a banda do Comércio e Indústria de Caldas da Rainha e os coros da cidade. Acabei de saber que está esgotado mas pode haver desistências e terem sorte.


sábado, 21 de dezembro de 2013

PORQUE UM FILHO NOS FOI DADO


Porque a bota que pisa o solo com arrogância
e a capa empapada em sangue
serão queimadas e serão pasto das chamas.
Porquanto um menino nasceu para nós,
um filho nos foi dado;
tem a soberania sobre os seus ombros,
e o seu nome é:
Conselheiro-Admirável, Deus herói,
Pai-Eterno, Príncipe da paz.
Dilatará o seu domínio com uma paz sem limites,
sobre o trono de David e sobre o seu reino.
Ele o estabelecerá e o consolidará com o direito e com a justiça,
desde agora e para sempre.
Assim fará o amor ardente do SENHOR do universo.

                                                                                                 (Isaías 9,4-6)

 Um bom e santo Natal para todos os que têm a paciência de me lerem.
   
  

sábado, 14 de dezembro de 2013

ADVENTO

Como diz o profeta, para que a esperança se faça realidade é preciso robustecer os joelhos para caminhar, e encher o coração de ânimo e coragem para agirmos com as nossas próprias mãos que se farão fortes. Caso contrário a esperança é vã.
Isaías afirmou-o há quase três mil anos anunciando a boa nova, neste magnífico texto que vai ser lido no Domingo. É o meu centésimo post neste blog! Calhou em tempo de Advento…
 
O deserto e a terra árida vão alegrar-se,
a estepe exultará e dará flores belas como narcisos.
Vai cobrir-se de flores
e transbordar de júbilo e de alegria.
Tem a glória do Líbano,
a formosura do monte Carmelo
e da planície de Saron.
Verão a glória do Senhor,
e o esplendor do nosso Deus.
Fortalecei as mãos débeis,
robustecei os joelhos vacilantes.
Dizei aos que têm o coração pusilânime:
«Tomai ânimo, não temais!»
Então se abrirão os olhos do cego,
os ouvidos do surdo ficarão a ouvir,
o coxo saltará como um veado,
e a língua do mudo dará gritos de alegria;
                                                                                 (Isaías 35, 1-6)
 
No vídeo, não estranhem. É mesmo o Messias de Händel numa produção encenada em Viena em 2009.
 


domingo, 8 de dezembro de 2013

SENHORA DA CONCEIÇÃO OU IMACULADA CONCEIÇÃO?

 
O latim do povo nunca foi grande coisa, percebe bem o Dominus vobiscum mas quando titubeia Et cum spiritu tuo, entaramela-se-lhe a língua e sai goliarda. Destas confusões nasce por vezes coisa acertada, como o dia de hoje. Celebra o povo, e eu com ele, o dia de Nossa Senhora da Conceição enquanto a Igreja celebra o dia da Imaculada Conceição. Parecendo que é o mesmo, não é! Embora resulte do mau latim do povo, o certo é que uma é mãe e outra filha.
Existe uma ideia há muito enraizada que falar da imaculada conceição é meter o pecado ao barulho, logo o sexo. É até ocasião para anedotas e risos alvares. No entanto toda a gente sabe que desde que não haja abusos, e dentro das regras impostas, a Igreja não considera o sexo pecado (!). Melhor fazê-lo que ficar abrasado, já dizia S. Paulo que conhecia bem as brasas que nos atormentam, e aconselhava os membros do casal a não se negarem um ao outro.
O assunto prende-se não com sexo, mas com o pecado original, o da desobediência: a ingestão do fruto proibido. Comeram os nossos pais primordiais o fruto do conhecimento. Ou porque estivesse verde ou maduro demais, o certo é que o resultado não foi satisfatório tendo em conta a ignorância que por aí grassa. A única coisa de que tiveram conhecimento foi saberem-se nus e mortais. Consequentemente, perceberem a piada do sexo e já que iam morrer, quanto mais melhor. O que faziam por instinto passaram a fazer por gozo, mas daí a ser pecado vai um grande passo. Certos bispos e padres porém, por terem a perna curta, ameaçam com as chamas do inferno.
Diz a Igreja que Nossa Senhora nasceu, ou antes, foi concebida, logo no ventre de sua mãe, sem o pecado original que fustiga toda a humanidade condenada a pagar pelo crime dos primeiros progenitores. Eram os pais de Nossa Senhora bem casados e sem dívidas ao fisco, logo o sexo que usaram para a conceber era honesto e sem sombra de pecado. Nossa Senhora nasceu isenta do pecado que afecta toda a Humanidade, apesar do sexo que lhe deu origem. Isto é o que significa a Imaculada Conceição: aquela senhora em cima da lua pisando com desprezo a serpente maligna.
Esclarecida a dúvida, onde fica a diferença? Se Nossa Senhora foi concebida, também concebeu, e o povo, que foge das intricadas considerações teológicas como o diabo da cruz, entendeu, e muito bem, que a Senhora da Conceição queria dizer isso mesmo: a mulher que concebe. Isto é, a Mãe. Torna-se assim Nossa Senhora no arquétipo da Mãe, segundo o pensar do povo que não faz ideia do significado do palavrão.
E foi à Senhora da Conceição, à Mãe, que D. João IV, o da Restauração tão falada ultimamente, decidiu ceder a coroa de Portugal para que ela governasse sobre nós como rainha e protectora. E fez o rei muito bem porque Portugal precisa de uma mãe que cuide da Pátria, que os pais que tem tido se revelaram ora ausentes ora padrastos. Uma Mátria e não Pátria, como queria Natália Correia, e lá está a imagem da nossa rainha, no seu paço de Vila Viçosa, em cima da Lua, não filha concebida, mas mãe com seu filho ao colo.
Mais ordenou o rei que os estudantes universitários, antes de se licenciarem, jurassem defender a Imaculada Conceição da Mãe de Deus. A prática caiu em desuso o que explica o estado a que isto chegou. Os licenciados de agora não fazem a mínima ideia do significado de imaculada e a Conceição é uma estagiária boazona que conheceram na queima das fitas. A pressa com que se tiram licenciaturas não dá para exames quanto mais para juramentos…  
O Papa Pio IX, incomodado com a história de o povo ter deixado cair a imaculada para ficar só com a conceição, decidiu pôr fim à confusão e transformou o que era crença em dogma.
Corria o ano de 1854 e as cinzas da revolução francesa encontravam-se finalmente apagadas, pelo que era o mundo um lugar decente e bem frequentado. Havia a guerra da Crimeia, mas ficava longe e não passava de um playground onde a aristocracia europeia descarregava a testosterona. Com tanta decência surgiu nesse ano o partido republicano americano, ainda sem Sarah Palin, que reivindicava uma ideia fracturante da esquerda: o fim da escravatura. Não tinha assim Sua Santidade nada que o preocupasse, pelo que a ideia de Nossa Senhora isenta do pecado original animou os corredores do Vaticano. Tanta animação resultou na Bula Ineffabilis Deus.  
A crença na Imaculada Conceição, isto é, Nossa Senhora concebida e nascida sem a mancha do pecado original, passa a obrigatória para todos os católicos lançando de uma assentada para a excomunhão póstuma S. Tomás de Aquino, S. Bernardo e o papa Bento XIV, que em séculos anteriores tinham achado a ideia disparatada. O povo católico diz que sim, mas o coração mantém a devoção antiga à Senhora da Conceição: à Mãe. Os cristãos ortodoxos, inimigos de novidades como ortodoxos que se prezam, não aceitam. Os protestantes, como de costume, protestam fazendo jus ao nome.
Curiosamente, o Islão já havia afirmado a isenção do pecado em Nossa Senhora muito antes de Pio IX, o que não fazendo do Papa um bom muçulmano fez dele um crente do adágio de que vêm as ajudas de onde menos se espera.
É caso para dizer que não havia necessidade!
 
Fotos: Senhora da Conceição, padroeira de Portugal – Matriz de Vila Viçosa
Imaculada Conceição - basílica de Santa Maria Maior, Bergamo, Itália



domingo, 1 de dezembro de 2013

DIA DA RESTAURAÇÃO DE SER PORTUGUÊS

Têm os Braganças como mãe a bela Inês Peres, filha de Pêro Esteves, um judeu da Guarda. Veio assim a restauração pela mão de um neto de Abraão e de uma filha de espanhóis. É que são portugueses quem luta por nós e não contra nós!
Então quem somos afinal?
Somos filhos de Tubal, que era filho de Jafet, neto de Noé. Iberos nos chamaram como os da pátria Georgiana do longínquo Cáucaso onde encalhou a arca. Somos portanto sobreviventes…
Fomos Celtas, outros filhos de Jafet, e conhecemos gregos e fenícios que confundiam o Mediterrâneo com os estuários do Tejo e do Sado.
Contra os filhos de Eneias, o Troiano, lutamos até à morte pois quando Sertório, general romano, ergueu a espada lusitana, já éramos tão romanos como ele.
Os reis Suevos de Braga confundiam o Minho com o Elba e o Oder, e no Zêzere chorava o godo Wamba as saudades do Danúbio, enquanto no Tejo se passeava o mouro elegante e belo que lhe seduzia as mulheres.
Depois fomos ao mundo e o mundo voltou a nós, e os filhos da Etiópia e do Congo encheram os salões desde Évora a Lisboa.
E o Viriato?
O Viriato é um velho conhecido que encontro por vezes, abismado, junto à estrada da Beira, que não compreende o suevo minhoto nem o mouro algarvio. É um espectro, uma ilusão, porque ser português é ser o mundo inteiro, e eu…
 
… eu e Afonso Henriques caçamos dragões wagnerianos na Burgúndia de seus avós.
… eu oiço bourrées de Bach na chotiça da Estremadura e nas danças de roda do Minho.
… eu e Tomás de Aquino rezamos juntos à Senhora d’Agonia.
… eu e Petrarca encontramo-nos pelo sereno da tarde no Camões.
… eu e a rainha Ginga trocamos juras de amor na língua de Pessoa, comendo cachupa na Brandoa.
… eu e o cacique Tupinambá falamos do barroco do Aleijadinho num terreiro de candomblé, no Monte da Caparica.
… eu medito com o guru Pantadjáli num ashram da Mouraria.
… e eu, nos tugúrios chineses do ópio, sonho como Pessanha esperando ver florir por engano as rosas bravas.
 
E Viriato?...
 
Teu ser é como aquela fria
Luz que precede a madrugada,
E é já o ir a haver o dia
Na antemanhã, confuso nada. (in Mensagem de F. Pessoa)