sábado, 27 de setembro de 2014

O SALÁRIO DOS PORTEIROS

 
            Ao contrário do que as vozes populistas e demagógicas gostam de apregoar, sempre disse que os deputados ganham pouco. O que não acho tolerável são as mordomias, as prebendas, os subsídios e todo o menú de alcavalas que suportamos para lhes arredondar o fraco salário.
            Os deputados deviam estar naquele lugar (o parlamento) sem auferir coisa nenhuma mantendo o exercício da sua actividade profissional, ou deviam ganhar o suficiente para não terem de andar a abrir portas para um pé-de-meia.
Ganhando um salário, a exclusividade devia ser a regra e o salário devia incluir o valor para a reintegração. Deputados representantes de algo que não sejam os cidadãos, ou mestres da arte de desenlaçar novelos é que não.
            Por isso repito que o salário dos deputados é pequeno, já o de porteiro!...



sábado, 20 de setembro de 2014

REFERENDOS, INDEPENDÊNCIAS, SECESSÕES E A ESTUPIDEZ

No rescaldo do concerto no museu Malhoa, protagonizado por um coro masculino de Inglaterra onde cantavam também dois escoceses que não se distinguiriam dos demais não fosse o saiote feito por um português aqui da zona Oeste, dei por mim a pensar naquela união que foi agora a referendo.
Tudo começou quando em 1603 o rei Escocês se tornou rei de Inglaterra. Em 1706 o parlamento escocês e o parlamento inglês decidiram de comum acordo, já que tinham as duas coroas na mesma cabeça, auto-extinguir-se e formar um único parlamento. Nascia o Reino Unido.
No final do século XX, quando o escocês Tony Blair era primeiro-ministro do Reino Unido, a “oprimida” Escócia teve direito a um parlamento. Ao escocês Tony Blair havia de suceder outro escocês, Gordon Brown e os ingleses, malandros, além de terem de aturar dois primeiros ministros escoceses, acatavam as leis do parlamento do Reino Unido feitas por ingleses, escoceses, galeses e irlandeses que valem na Inglaterra e no resto da União. O parlamento escocês, onde só cabem os habitantes da Escócia, decide se aquelas valem ali ou não. Isto é: os escoceses têm um parlamento próprio. Os ingleses não têm. Acatam assim as leis votadas por todos, ingleses e não ingleses. Os escoceses, não.
Os adeptos do sim, no referendo pela independência (que deveria chamar-se mais apropriadamente de secessão), mantiveram o bom senso e, sensíveis ao ridículo, sabendo bem que o petróleo, como o Inferno, está cheio de boas intenções, decidiram não chamar ao debate o fantasma de William Wallace, celebrizado no Braveheart. Já os comentadores portugueses, na sua sanha opinativa e em defesa dos povos oprimidos, entre dois goles de um puro malte fabricado na república Dominicana, foram buscar o Mel Gibson e o Rob Roy, o Zé do Telhado lá do sítio, para falarem em nome dos escoceses oprimidos pelos ingleses filhos da pxxx. Os Escoceses, não se esqueçam, são aqueles que têm um parlamento próprio enquanto que os Ingleses não têm parlamento nenhum e acatam as leis votadas pelos escoceses no parlamento comum.
Eu estou-me nas tintas para os escoceses e para os ingleses mas invejo-lhes contudo o bom senso. A estupidez viajou democrática e generosamente entre a esquerda e a direita portuguesas e pouco faltou para que os comentadores pintassem a cara à moda dos Pictos, o que me põe a pensar que bom seria ser escocês, não fosse aquela parvoíce de andar de saias…! Afinal a bandeira da Escócia é igual à do Afonso Henriques não fosse a rotação de 1/8 de volta, o que lhes dá o mesmo direito que aos galegos, que também tocam gaitinhas, de se juntarem a nós e nós a eles!
Ficamos agora de pausa aguardando a novela catalã. Gaudi, o profeta de Barcelona, sabedor da estupidez que por aí grassa e antes que lhe estragassem a obra, construiu a sua basílica com torres que se confundem com minaretes, pelo que é meio caminho andado.
Um dia destes faço-me madeirense e ponho-me a gritar contra a república colonialista. Assim como assim sou tão africano como eles e as bananas servem para comer enquanto que o petróleo não!


sexta-feira, 12 de setembro de 2014

NAS TARDES SERENAS DO OUTONO FAZ-SE MARMELADA

 

Em chegando o Outono sabe bem o aconchego dos marmelos e digam o que disserem a única, a verdadeira, a mais gostosa, é a marmelada de Odivelas. Já o sabia D. Dinis que gostava de rumar àqueles outeiros por a achar melhor que a feita por Dona Isabel que lhe dizia: Ide vê-las, senhor, ide vê-las – referindo-se às moças que a faziam tão bem feita. Por causa disso ficou o sítio conhecido por Odivelas, deturpação do povo às palavras da santa rainha e ainda hoje, para quem vem de Lisboa, é forçoso que passe pela estrada do Lumiar que a bondosa esposa do rei poeta mandava alumiar para que não se perdesse. Tudo são estórias mas o certo é que o fogoso rei ali se fez sepultar, vá-se lá saber porquê.

O que tem a ver Odivelas com as Caldas, perguntam-me, para me pôr aqui a tecer loas à sua marmelada? Pois foi aqui, nas santas águas das termas, que se tratou D. João V dos excessos de tanta marmelada comida das mãos de madre Paula, abadessa generosa do mosteiro de Odivelas que o rei, quando príncipe, visitava amiúde. E é por isso que aqui vos darei o privilégio de conhecer a única e verdadeira receita da marmelada tal como a contou a última freira do mosteiro, extinto pelo mata-frades Joaquim António de Aguiar que preferia o caldeiro dos militares aos marmelos das noviças. Deitemos então a mão aos marmelos.

Estava uma tarde doce e suave de Outono quando madre Paula disse ao príncipe: - Joãozinho quinto, vamos fazer marmelada? - O que fez o príncipe dar um salto para se atirar de pronto aos marmelos. Mas madre Paula fê-lo recuar pois isto de marmelos tem preceito. Que não eram como aquelas gamboas enormes da corte, que mais pareciam de silicone e já maduras. E madre Paula mostrava-lhe a suave penugem que cobre a pele dos verdadeiros marmelos, ainda um pouco verdes.

É doloroso relatar o que se viu, mas obriga-me a honestidade a fazê-lo: os queixais do príncipe quedaram-se tombados até ao peito, e a baba que lhe aparecia na comissura dos lábios era um espectáculo triste de se ver num futuro rei.

Madre Paula ensinou-lhe então a desbrugar os marmelos e a pô-los logo em água fria para arrefecer ardores não fosse o entusiasmo ir longe demais antes do tempo certo. Só depois de descascadinhos e limpos de caroços se coziam então em lume sempre brando que isto de preliminares quanto mais devagar melhor.

Depois de bem cozidos, teve então o príncipe autorização para amassar tudo muito bem, podendo usar a colher de pau e a peneira. O leitor fica autorizado ao passe-vite e à varinha mágica, ao chicote, cinto de ligas e salto agulha, e todo o catálogo de BDSM, desde que fique tudo muito bem amassado que agora é a loucura total. E mais não escrevo que o pudor tolhe-me a pena.

Acalmados então os ânimos, começam as doçuras. Para cada quilo de massa pôs madre Paula dois quilos de açúcar, que isto de reis e conventos é outra coisa e o príncipe era generoso. Um exagero, dir-me-ão, mas era assim no tempo de D. João V, quando ainda tínhamos os brasis e por isso saía a marmelada branquinha ao gosto da época. Porquê pôr um quando se podem pôr dois, foi sempre o mote do príncipe como se viu nos dois carrilhões de Mafra que é hoje causa de diabetes no orçamento da cultura. Hoje, com a moda dos bronzeados, admite-se doçura igual à badalhoquice da amassadura, cortando-se o açúcar quase pela metade, ficando a marmelada assim a modos que mais afogueada.

E agora é que é preciso paciência, caro leitor, mas a marmelada ou é feita como deve ser, ou então contente-se com uma rapidinha ao supermercado para a compra da compota.

Prepara-se um banho de doçura, na proporção de 2.5 dl de água por cada quilo de açúcar e levanta-se fervura até atingir o ponto de rebuçado. E aqui terá o leitor de estar atento que o açúcar, como as mulheres, é enganador. Pensando que está tudo no ponto, arrisca-se a uma recusa que azeda a marmelada. Saberá que o ponto foi atingido quando, no meio dos gemidos da canseira, deitar uma bola da pasta do açúcar numa pinga de água fria e aquela coalhar.

Agora pare um pouco, tire do lume e junte ao açúcar a massa bem desfeita com a colher e mexa, mexa muito bem. Volta então ao lume até levantar ampolas, mas sem magoar e sem queimar. Nesse momento pode então apagar a chama do lume mas continue a bater, a bater, até esfriar.

Gostava a madre Paula, depois de esfriar, de deitar a marmelada assim feita em pratos rasos para que secasse, deixando o açúcar cristalizar como ao amor de Stendhal. Isto porque o príncipe porcalhão gostava de a cortar em cubinhos e comê-la à mão. Nós que somos civilizados, deitamo-la em taças e servimos a barrar o pão.

Não esqueça: nada de gamboas, mas marmelos ainda verdes com penugem agradável ao tacto. Depois, muita paciência e doçura. Se os marmelos forem já maduros, não desanime, porque então já a vontade de comer vai dispensando alguma da doçura e sempre pode aventurar-se a uma tarte ou mesmo um strudel. No fim reze uma Ave Maria e um Padre Nosso pelas almas da madre Paula e de D. João V, para que não digam que somos mal agradecidos.

Aos mais jovens, se não sabem o que são marmelos e não perceberam nada da receita, perguntem aos avós. E treinem, que o saber nasce da experiência.



sábado, 6 de setembro de 2014

ESTOU EM CHOQUE

 
Ontem a justiça portuguesa condenou trinta e seis cidadãos portugueses. Não vou comentar os contornos do caso porque não os conheço, nem vou julgar o mérito dessas condenações. O que me motivou a vir aqui comentar foi o desabafo angustiado de um dos condenados. À porta do tribunal afirmou que estava em choque! Confesso que eu também. Em choque por saber que um antigo deputado e ministro do meu país não tenha sabido estar à altura dos cargos que desempenhou e apareça agora condenado. Repito para mim mesmo que devo ser benevolente e que devo repetir a frase d’Aquele que devia orientar os meus actos e pensamentos: “quem nunca pecou que atire a primeira pedra”. Apesar de tudo o desabafo sai-me das profundezas do coração: Estou em choque!
O cidadão em questão foi agraciado em 2005, pelo então presidente da república (não, não foi o Cavaco), com a Grã-cruz da ordem do Infante D. Henrique. Não cometerei a injustiça de lançar sombras sobre esta decisão do Sr. Presidente da República de então. Os factos pelos quais aquele cidadão foi agora acusado e condenado são posteriores à condecoração.
A atribuição daquela honra tem como finalidade “…distinguir quem houver prestado serviços relevantes a Portugal, no País e no estrangeiro, assim como serviços na expansão da cultura portuguesa ou para conhecimento de Portugal, da sua História e dos seus valores”. Fui ler a biografia do condecorado anterior a 2005: Um curso abandonado, uma pós-graduação sem licenciatura, deputado, vereador, ministro, director geral, algumas sombras de irregularidades no exercício dos cargos públicos e é tudo. O suficiente para o Sr. Presidente da República de então pensar que estes serviços foram relevantes para a Pátria e expressam a cultura portuguesa, a história do país e os seus valores.
Confesso que estou em choque!