sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A LEGIONELLA E OS COMETAS

 

Há alturas em Portugal que os políticos, como aves necrófilas, aproveitam a morte e a desgraça dos outros para alimentarem querelas estéreis. O ministro da saúde, que juntamente com os responsáveis políticos e técnicos da área demonstrou um grande sentido de responsabilidade e eficiência durante o surto da doença do legionário que afectou a zona de Vila Franca de Xira, resolveu manchar o bom trabalho fazendo o que me pareceu, nada mais nada menos, uma chantagem sobre os enfermeiros, apelando ao fim da greve por causa da desgraça provocada pela legionella: ou aceitavam o seu repto ou tinham a população contra eles, ficando ele, o ministro, bem colocado na fotografia. Como se as greves dos enfermeiros alguma vez tivessem posto em risco os cuidados de saúde necessários no internamento e na urgência dos hospitais. Como se as más políticas no sector da saúde não fossem muito mais graves para a saúde de todos nós do que as greves de um sector tão maltratado. Por sua vez, os políticos da oposição afiaram o dente para se atirarem ao governo culpando-o das mortes e do surto, provocados, no seu entender, pelas alterações legislativas que eles, distraídos com discussões sobre bustos de presidentes ou sobre se os rapazes devem ou não continuar a fazer xixi de pé, se esqueceram de criticar na altura e momento dessa alteração. Os que morreram e os que adoeceram não mereciam tal espectáculo.

Passou despercebida, e compreende-se, a descida de uma sonda europeia sobre a superfície de um cometa. Muitos acharão o dispêndio de dinheiro destes programas uma futilidade. Se pensarmos que os cometas poderão ter sido o veículo que trouxe à Terra os ingredientes químicos necessários à vida, percebemos que o seu estudo poderá ser de superior importância na compreensão do processo da vida, do qual aquela bactéria conhecida por legionella faz parte. A eficiência demonstrada pelos nossos técnicos no estudo e resolução do surto de Vila Franca de Xira e o sucesso daquela viagem ao cometa demonstram bem a importância primordial que devemos dar à educação e à investigação. Talvez fosse bom que o ministro da Saúde lembrasse isso ao seu colega da Educação em vez de arengar contra os enfermeiros. Talvez fosse bom pensar que a sangria da nossa inteligência em direcção ao estrangeiro é muito mais perigosa que uma greve.

E a semana trágica continuou, como se os antigos tivessem razão que os cometas só trazem desgraças. Morreu um Poeta e um Nobre: Manoel de Barros e Fernando de Mascarenhas. Um brasileiro a quem a língua portuguesa deve e um português que nascendo aristocrata se revestiu de nobreza com o exemplo da sua vida, demonstrando que a ética não é monárquica nem republicana. Ficámos todos mais pobres.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
           
Manoel de Barros
1916-2014



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