Na noite em que o Reino
Unido decide se fica ou sai da União Europeia, noite que coincide com o São João,
vou aqui falar de um dos mais tradicionais pratos britânicos, se não mesmo o
mais tradicional: fish and chips
(cada país tem o comer que merece). Como toda a gente sabe, e quem não sabe
fica a saber, fish and chips é um
pobre e proletário prato de feixe frito acompanhado de batatas fritas a que os
mais puristas acrescentam um acompanhamento de ervilhas esmagadas. Nós temos o
costume de comer peixe frito com arroz de tomate, mas a combinação com batatas
fritas é perfeita. Come-se por toda a Inglaterra, mas se for a Albufeira, no
Algarve, tem lá restaurantes que conseguem um filete de peixe envolto num
perfeito polme feito com farinha, ou não fosse aquilo terra de ingleses.
Chamei-lhe prato proletário
porque a sua disseminação pelo país se deveu em grande parte ao crescimento da
classe operária numa Inglaterra que iniciava a Revolução Industrial, e que o
consumia das bancas improvisadas à porta das casas humildes que aumentavam
assim o seu rendimento. O hábito de comer peixe frito em Inglaterra deve-se à
Inquisição e à expulsão dos judeus da Península Ibérica. Foram os judeus
expulsos da península, de Portugal e da Andaluzia, quem levou aos ingleses o hábito
de comer um frito de peixe envolto em farinha. Como se vê os ingleses só têm
lucrado com os restantes europeus.
A primeira loja de fish and chips é disputada entre a
barraca de madeira no mercado da cidade de Mossely, no Lancahire, e o
estabelecimento que existiu na Cleveland street
em Londres, entre 1860 e 1863, no entanto Charles Dickens, no seu romance “Oliver
Twist” publicado em 1839, refere já um armazém de peixe frito no East End, a zona operária de Londres. O sucesso
foi tal que em 1931, uma loja de Bradford viu-se forçada a contratar segurança
para o controlo da fila durante as horas de ponta. Foi o único prato que não
sofreu racionamento durante a 2ª guerra. Quando chegava o peixe, vendia-se até
esgotar.
Para fazer o prato
esqueça tudo o que sabe sobre o polme das nossas avós. E esqueça os ovos, tudo
porque o polme leva farinha, fermento em pó (ou bicarbonato de sódio) e…
cerveja. Usa-se a cerveja lager que é
a cerveja que fermentou de fundo e armazenada a baixas temperaturas, seja lá o
que isso quer dizer. Deixando de frescuras, a nossa sagres é uma lager e a superbock também.
Vamos então à receita. O
peixe pode ser qualquer um usado em filetes, mas o mais clássico é o bacalhau
fresco ou o hadoque que é primo daquele. Comece por preparar o polme juntando a
farinha, o fermento, sal e pimenta. Bata com a vara de arames muito bem,
juntando a cerveja de modo a ficar com a consistência das natas e a cobrir as
costas de uma colher de pau. Seque bem os filetes, tempere-os, cubra
ligeiramente com farinha antes de os mergulhar no polme para que agarre melhor,
e deixe escorrer o excesso. Frite em óleo quente durante 8 a 10 minutos ou até
dourar. Deixe escorrer sobre papel absorvente e guarde-os quentes no forno
aquecido. Para que tivessem o gosto clássico seria necessário fritá-los em
banha de porco, mas a tanto não me atrevo a aconselhar, até porque os ingleses
têm um tipo de banha especial para estas coisas. Em todo o caso, será péssimo
para o colesterol ao que dizem. O polme assim feito e frito deverá inchar e
ficar separado do peixe para que seja perfeito. Parece fácil mas não é.
Se quiser acompanhar com
as ervilhas em puré faça assim: numa caçarola coloque uma noz de manteiga,
deite as ervilhas e uma mão cheia de hortelã picada. Tape e deixe cozinhar
durante 10 minutos. Regue com sumo de limão e tempere de sal e pimenta. Esmague
as ervilhas com um garfo ou com a varinha. Já experimentei e não achei piada.
Acompanhe com batatas
fritas temperadas com sal e um toque de vinagre. Os filetes também ficam óptimos
com um toque de vinagre. Se gosta da autenticidade proletária, faça uma cornucópia
com papel de jornal, o The Guardian, de preferência que é a favor
da União, mas caso não tenha imprensa inglesa, pode usar um diário português,
mas nunca o CM que é azia garantida e não se recomenda desde o episódio do
microfone. Meta na cornucópia o peixe e as batatas fritas e faça um piquenique à
beira mar, de chinelos nos pés, calções e camisa às flores. Se a ASAE implicar
não diga que vai da minha parte.
imagem "roubada" daqui:
http://www.urbanpixxels.com/eating-london-food-tour/